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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Uma experiência em construção: inicia o curso de formação para lideranças do PAA


Introdução

O Centro de Formação Milton Santos e Lorenzo Milani é uma organização popular, que realiza cursos de formação política em Curitiba desde o início dos anos 2000. Se compõe de um coletivo atuante em outras organizações que lutam por uma sociedade justa e solidária. Em quase 10 anos de existência, o Centro tem experimentado várias formas de fazer educação política contribuindo com o desvelamento da realidade e a construção de um Projeto Popular para o Brasil.

Nesse ano de 2012, resolveu colocar seus recursos, oriundos da solidariedade internacional e da dedicação voluntária de um coletivo de militantes sociais, para contribuir com o CEFURIA – Centro de Formação urbano rural Irmã Araújo – num processo que vem se realizando desde 2010. Processo rico e exigente de muito trabalho, que é a mediação, para fazer chegar à mesa de milhares de pessoas empobrecidas, o alimento produzido por outras centenas de pessoas empobrecidas que, no trabalho dos campos, buscam seu sustento.




O PAA – Programa de Aquisição de Alimento – é uma iniciativa do Governo Federal implantado no contexto do Projeto Fome Zero (Artigo 19, da Lei 10.696/2003), que promove o acesso a alimentos às populações em situação de insegurança alimentar e a inclusão social e econômica no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar (conforme página do MDS).

Cerca de 10 mil pessoas em Curitiba e Região Metropolitana estão se beneficiando desse Programa, mas não só. O CEFURIA, que organiza essa parcela de um processo bem mais amplo, não quer deixar que tal política se transforme em mero assistencialismo. Então organizou com lideranças comunitárias um Conselho Gestor, cujos integrantes fazem a triagem das famílias receptoras nas comunidades e recebe junto com elas os produtos que são trazidos a Curitiba por Cooperativas e Assentamentos da Reforma Agrária. 

Os desafios são muitos, a começar pela organização da distribuição. Igualmente fundamental é a preocupação com um processo de formação que permita às pessoas compreenderem que esse programa não é esmola, mas direito. E é exatamente aqui que se insere a contribuição do Centro de Formação Milton Santos e Lorenzo Milani.

Após várias reuniões do coletivo do Centro com os educadores envolvidos no processo e o Conselho Gestor do PAA, foi elaborada uma proposta de Curso de Formação de Lideranças cujo eixo temático é a Soberania Alimentar e a Relação Campo-Cidade, entendidas a partir das desigualdades sociais existentes em nosso país. A atividade se constitui de quatro encontros que, além do eixo temático já citado, inclui reflexões sobre as relações entre o Estado, a Sociedade e as Políticas Sociais, Organização Popular, Movimentos Sociais, Trabalho e Desigualdades Sociais.
Como experiência nova, o coletivo responsável, ao mesmo tempo que a executa, busca avaliar, estudar coletivamente os temas em discussão e preparar metodologias que permitam aos participantes – com ou sem escolaridade – apropriar-se dos conteúdos, e preparar-se para o trabalho de base com as famílias que acessam os alimentos nas comunidades. Para cada encontro, há uma dupla de educadores responsáveis, mas todo coletivo se envolve no apoio.

O relato a seguir apresenta o desenvolvimento do 1º encontro desta atividade que se desenvolverá até novembro de 2012. 

Relato 1º Encontro – 27 de agosto de 2012


Ana e Andréa, responsáveis pela organização da primeira etapa, desde as questões da infraestrutura, até o estudo, recorte do conteúdo teórico, metodologia, roteiro, etc; se reuniram e trocaram muitos e-mails e, no dia do encontro, foram cedinho para a Casa do Trabalhador preparar o ambiente. Mapa do Paraná no chão, feito de terra, onde foram colocadas cartelas identificando todos os grupos que acessam os alimentos e aqueles que os produzem. Cadeiras em círculo e bandeiras dos movimentos sociais espalhadas pelas paredes. Com a ajuda de Jonas, montaram as pastas de materiais para serem entregues aos participantes, crachás e lista de presença. Tudo preparado com cuidado para receber da melhor forma possível as “lideranças do PAA”.

Logo após o almoço, os(as) participantes começam a chegar. Alguns(umas) sozinhos(as), outros(as) em grupos. Mesa de credenciamento coordenada por Jonas e Vanda. À medida que as pessoas iam “assinando a lista de presença”, eram convidadas a ocupar seus lugares no círculo de cadeiras no salão. Ricardo no violão e Ana com as letras das canções começam a animar o público. Pedro e Antônio se juntam ao grupo e ajudam no que podem. A sala vai se enchendo, as pessoas se acomodando e logo, logo, a “Asa Branca” de Luiz Gonzaga começa a voar num coro de vozes. Mais tarde chega a Luzia. Coletivo todo presente. Sessenta participantes. Bonito demais!

A mística está presente em todo o processo, mas há um momento que convida a todos(as) à autorreflexão nesses primeiros minutos, o que foi feito quando Ana começou a ler o Poema “Monólogo”, de J. G. de Araújo Jorge. “Meu filho, se te dissesse que poderia haver um mundo de duas classes, em que uns trabalham e outros não, e os que trabalham, mendigam, passam fome, e os inúteis gozam e desperdiçam...” Declara-se aberto, então, o 1º Encontro do Curso de Formação de Lideranças do PAA e uma grande salva de palmas toma conta do salão. 

Andréa encaminha a dinâmica de apresentação dos participantes que vão chamando, na forma de uma grande corrente, através dos nomes que estão nos crachás, os colegas; e acolhendo-se mutuamente, ao mesmo tempo em que vão se conhecendo. Os(as) companheiros(as) vão se apresentado e dizendo as expectativas que têm com o encontro. Uns falam mais, outros menos. De vez em quando se puxa um refrão de uma música para que a dinâmica, embora seja fundamental neste primeiro contato, não se torne cansativa: “por isso vem, entra na roda com a gente, você, também é muito importante, vem...” 

Em seguida, Ana apresenta o curso como um todo a partir do folder que está nas mãos dos participantes e chama a atenção para todo material didático que compõe o kit da etapa e diz que, sendo um curso baseado no diálogo de saberes, todos serão educadores e educandos ao mesmo tempo. Assim os(as) participantes já começarão a trabalhar.

Andréa encaminha o trabalho de grupo, a partir de gravuras ampliadas sobre o tema da etapa. São organizados dois grupos por gravura que devem refletir a partir delas, sobre as seguintes questões: Que denúncia ou crítica a figura está fazendo? O que essa denúncia tem a ver com a Soberania Alimentar e o PAA? Os grupos se reúnem em espaços diferentes, debatem as questões propostas, anotam as sínteses das discussões e depois voltam a se reunir no salão para apresentar a todos(as) os(as) participantes o que discutiram.



Sínteses socializadas pelos grupos:
  • As figuras revelam uma fartura para uma mesa e outra quase nada; 
  • Uma situação desfavorável, que nem sabemos como se deu;
  • Talvez falta de informação e respeito ao próximo; 
  • Falta de amor e auxílio; 
  • O que será que a pessoa passou para perder o estímulo de vida
  • Somos todos trabalhadores, temos direitos de nos alimentar, estudar e morar, todos trabalhamos para sustentar o país.
  • A figura mostra 2 realidades diferentes, denunciando as realidades sociais, que demonstram a existência de má distribuição de comida, porque há uma sociedade com pobres e ricos. O rico explora e quase sempre quem trabalha tem carências. Apesar de haver ricos que trabalham, o que prevalece é a ganância. Falta união dos pobres que deixam os ricos mandarem (como no exemplo das eleições). 
  • A figura tem a ver com a soberania alimentar denunciar a falta de autonomia popular na produção de alimentos. Produzir e ficar com o que quer da produção é egoísmo; produzir para atender as necessidades do povo é soberania alimentar, porque é coletiva. Trata-se de uma lei “superior”, fundamental. Por isso o PAA ‘deve’ levar à conscientização e não apenas ao assistencialismo e para isso é preciso entender melhor o programa, saber de onde vem os alimentos e valorizar o trabalho de quem os produziu. 
  • A imagem fala de direitos fundamentais que as pessoas deveriam ter, como educação, saúde, emprego;
  • Com a barriga vazia, não adianta oração, sem alimentar o corpo;
  • As pessoas não têm cultura de consumir verduras: “ninguém rouba a horta na frente da minha casa”;
  • Alimento saudável hoje é uma forma de luta;
  • Não temos a cultura de alimentar bem nossas crianças; 
  • Questão da mídia e da conscientização; 
  • Sobre a Soberania Alimentar:
  • Soberano é ser capaz; 
  • Relação entre a cooperativa e o mercado: o preço está garantido para o agricultor familiar? Há uma disputa com o agronegócio nas políticas; 
  • Agricultura familiar com soberania é aquela que não passa pelos supermercados; 
  • Dificuldade do agricultor familiar com o transporte. Como se dá isso no PAA?  
  • Por que o orgânico é mais caro?
  • A figura nos apresenta a desvalorização de um grupo inferiorizado, onde o processo é de exploração dos pequenos produtores, estes trabalham no cultivo de alimento ou maior consumo na sociedade não havendo valorização pelo estado. O programa vem fortalecer e formar lideranças. Facilitando a vinda de alimentos orgânicos a mesa dos consumidores carentes, sem que haja exploração, valorizando o trabalhador do campo, e melhorando a qualidade da alimentação, proporcionando melhor qualidade de vida as famílias. 
  • Grandes proprietários e pequenos agricultores, desigualdade social, pelas roupas muito para um e pouco para outros, destruição da natureza e a biodiversidade, desperdício. 
  • Com o PAA, alimentos para todos, igualdade, alimento sem agrotóxico, unindo campo e cidade, podemos mudar esta realidade. 

Após socialização dos grupos, foi apresentado o vídeo “Soberania Alimentar” como subsídio para enriquecer o debate que aconteceu a seguir. O tempo exíguo, entretanto, não permitiu que o debate se estendesse por muito tempo. Fica, portanto, o desafio de que o tema seja retomado no segundo encontro. Apesar disso, noções básicas sobre o direito à alimentação saudável e suficiente como ponto de partida para a soberania alimentar, bem como as contribuições do PAA para isso, foram incorporadas pelos participantes. Quando perguntados sobre se o objetivo do encontro havia sido atingido a resposta uníssona dos(as) participantes foi sim. Mas o estudo do conteúdo não se esgota nesta etapa. Há tarefas a cumprir deste momento até o segundo encontro. 

Tendo como base a leitura da matéria do Jornal Brasil de Fato “Ponte entre Campo e Cidade”, os participantes deverão refletir sobre a questão: “Quem deveria garantir a soberania alimentar?” O resultado dessa reflexão deve ser trazido por escrito para o próximo encontro.

Além disso, cada participante deverá visitar duas ou três famílias das que acessam o alimento do PAA na comunidade e fazer a seguinte pesquisa: “Onde vocês moravam antes de vir para Curitiba? Quando e por que vieram?”


O estudo e a pesquisa contribuirão na reflexão sobre o êxodo rural, a concentração da terra, os problemas sociais decorrentes de uma urbanização desordenada e excludente e suas relações com o Estado. Além disso, vão contribuindo para criar a cultura do estudo, da organização do pensamento, da leitura da realidade, da escuta, da articulação entre as questões locais, microestruturais e suas determinações macroestruturais.

Encaminhada as “tarefas de casa”, passou-se aos informes finais.

Convidamos então os(as) participantes a formarem um círculo e, de mãos dadas, expressar em poucas palavras o que havia significado aquela tarde de formação. Foi o momento de avaliação.

Fizemos então um canto final e nos dirigimos ao lanche e despedidas.

Considerações Finais 

A experiência deste 1º encontro de um processo que se estenderá até novembro, foi extremamente válida. Algumas questões, entretanto, precisam ser pontuadas a partir do processo de avaliação feita no coletivo (Andréa, Ana, Jonas e Ricardo) em reunião do dia 13/09/12.
1º – Tempo muito limitado, considerando-se que não se trata de aulas, mas de diálogo de saberes entre pessoas que têm experiências diferentes no que se refere ao acesso à informação e às práticas sociais. O que exige uso de diferentes metodologias, codificação e decodificação do conteúdo.
2º – Tendo sido acordado coletivamente como um espaço específico para formação, os informes finais acabaram prejudicando as sínteses e as reflexões que deveriam ficar como sementes germinando no pensamento, a serem processadas, como fechamento do primeiro encontro. Questões de encaminhamento devem ser tratadas no Conselho Gestor.
3º – A animação, como parte do processo metodológico, precisa também ser preparada com antecedência e as músicas selecionadas devem ser conhecidas do público. Porém não descomprometidas ou descoladas do conteúdo. Elas podem e devem servir também como momentos de reflexão.
4º – Os recursos didáticos (computador, datashow) devem ser testados com antecedência para evitar atropelos de última hora ou comprometer o planejamento feito a partir de seu uso.
5º – As tarefas de apoio devem ser mais bem distribuídas com antecedência, como: animação, credenciamento, relatoria, etc.

Curitiba, 17 de setembro de 2012.

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